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segunda-feira, 16 de junho de 2008

Como conhecer o cérebro dos disléxicos...


A dislexia foi tema de novela da Globo. O papel de disléxica em "Duas Caras" coube à atriz Bárbara Borges, que viveu Clarissa, uma jovem que tem o sonho de ser juíza, mas sempre enfrentou dificuldades leitoras.Com o apoio da mãe, ela passará no vestibular para o curso de direito. Assim como Clarissa, os disléxicos são pessoas normais que, surpreendentemente, no período escolar, apresentam dificuldades emleitura e, em geral, problemas, também, com a ortografia e a organização da escrita. Como ajudar pais, especialmente mães, dedisléxicos? O presente artigo mostra como os pais, docentes epsicopedagogos, conhecendo o cérebro dos disléxicos, poderãoajudá-los a ler e compreender o texto lido.
A leitura, como sabemos, seja para disléxicos ou não, é uma habilidade complexa. Não nascemos leitores ou escritores. O módulo fonológico é o único, no genoma humano, que não se desenvolve por instinto. Realmente, precisamos aprender a ler, escrever e a grafar corretamente as palavras, mesmo porque as três habilidades lingüísticas são cultural e historicamente construídas pelo homo sapiens.
A leitura só deixa de ser complexa quando a automatizamos. Como somos diferentes, temos maneiras diferentes de reconhecer as palavras escritas e, assim, temos diferenças fundamentais no processo de aquisição de leitura durante a alfabetização. Esse automatismoleitor exige domínios na fonologia da língua materna, especialmente aconsciência fonológica, isto é, a consciência de que o acesso ao léxico (palavra ou leitura) exige conhecimentos formais, sistemáticos, escolares, gramaticais e metalingüísticos do princípio alfabético do nosso sistema de escrita, que se caracteriza pela correspondência entre letras e fonemas (vogais, semivogais e consoantes). A experiência de uma alfabetização exitosa é importante para nossa educação leitora no mundo povoado de letras, literatura, poesia, imagens, ócones, símbolos, metáforas e diversidade de mídias e textos.
A compreensão do valor da leitura em nossas vidas, especialmente, nasociedade do conhecimento, é base para desmistificarmos o conceitoinquietante da dislexia e do cérebro dos disléxicos. A dislexia nãoé doença, mas compromete o acesso ao mundo da leitura. A dislexiaparece bloquear o acesso de crianças especiais à sociedade letrada.Deixa-os, então, lentas, dispersas, agressivas e em atraso escolar. Osdocentes, pais e psicopedagogos que lidam com disléxicos devem seguir, então, alguns princípios ou passos para atuação eficiente comaqueles que apresentam dificuldades cognitivas na área de leitura,escrita e ortografia. Vamos descrever cada um deles a seguir.
O primeiro princípio ou passo é o de se começar pela descrição eexplicação da deslexia. Uma criança com deficiência mental, porexemplo, não pode ser apontada como disléxica, porque a etiologia desua dificuldade é orgânica, portanto, de natureza clínica e nãoexclusivamente cognitiva ou escolar. Claro, é verdade que um adulto,depois de um acidente vascular cerebral, poderá vir apresentardislexia. Nesse caso, trata-se, realmente, de uma dislexia adquirida,de natureza neurolingüística e que só com o apoio médico é quepodemos intervir, de forma plurisdisciplinar e, adequadamente, nessescasos.
Assim, tanto para a dislexia desenvolvimental (também chamadaverdadeira porque uma criança já pode herdar tal dificuldade dospais) como para a dislexia adquirida (surge após um AVC ou traumatismo), importante é salientar que os docentes, pais e psicopedagogos, especialmente estes últimos, conheçam melhor osfundamentos psicolingüísticos da linguagem escrita, compreendendo,assim, o processo aquisição da habilidade leitora e os processos psicológicos envolvidos na habilidade. Realmente, sem o conhecimentoda arquitetura funcional, do que ocorre com o cérebro dos disléxicos,durante o processamento leitor, toda intervenção corre risco de serinócua ou contraproducente.
Os processos leitores que ocorrem nos cérebros dos leitores, proficientes ou disléxicos, podem ser descritos através de quatro módulos cognitivos da leitura: (1) módulo perceptivo, como o nome sugere, refere-se à percepção, especialmente a visual, importante fator de dificuldade leitora; (2) módulo léxico, nesse caso, refere-se, por exemplo, ao traçado das letras e a memorização dos demais grafemas da língua (por exemplo, os sinais diacríticos como til, hífen etc.); (3) módulo sintático, este, tem a ver com a organização da estruturação da frase, a criança apresenta dificuldade de compreender como as palavras se relacionam na estrutura das frases (4) módulo semântico, este, diz respeito, pois, ao significado que traz as palavras nos seus morfemas (prefixos sufixos etc.)
Não é uma tarefa fácil conhecer o cérebro dos disléxicos. Porisso, um segundo passo é o aprofundamento dos fundamentospsicolingüísticos da lectoescrita. A abordagem psicolingüística(associando a estrutura lingüística dos textos aos estados mentais dodisléxico) é um caminho precioso para o entendimento da dislexia, uma vez que apresenta as conexões existentes entre questões pertinentes ao conhecimento e uso de uma língua, tais como a do processo de aquisição de linguagem e a do processamento lingüístico, e os processos psicológicos que se supõe estarem a elas relacionados.Aqui, particularmente é bom salientar que as dificuldades lectoescritoras são específicas e bastante individualizadas, isto é, os disléxicos são incomuns, diferentes, atípicos e individualizados com relação aos demais colegas de sala de aula bem como aos sintomas manifestados durante a aquisição, desenvolvimento e processamento da linguagem escrita.
Nessas alturas, todos que atuam com os especiais devem pensar o quepode estar ocorrendo com os disléxicos em sala de aula. Os métodos de alfabetização em leitura levam em conta as diferenças individuais?Os métodos pedagógicos, com raras exceções, se propõem a sereficientes em salas de crianças ditas normais, mas se tornam ineficientes em crianças especiais. Por isso, cabe aos docentes, emparticular, e aos pais, por imperativo de acompanhamento de seusfilhos, entender melhor sobre os métodos de estudos adotados nasinstituições de ensino. Os métodos de alfabetização em leiturasão determinantes para uma ação eficaz ou ineficaz no atendimentoeducacional especial aos disléxicos, disgráficos e disortográficos.A dislexia é uma dificuldade específica em leitura, e como tal, nadamais criterioso e necessário do que o entendimento claro do processoda leitura ou do entendimento da leitura em processo.
Não menos importantes do o entendimento dos métodos de leitura,adotados nas escolas, devem ser objeto de preocupação dos educadores, pais e psicopedagogos, as questões conceituais, procedimentais e atitudinais sobre a dislexia, disgrafia e disortografia. O que pensam as escolas sobre as crianças disléxicas? O que sabem seus professores e gestores educacionais sobre dislexia? Mais do que simples rótulos das dificuldades de aprendizagem da linguagem escrita, a dislexia é uma síndrome ou dificuldade revestida de conceitos lingüísticos, psicolingüísticos, psicológicos, neurológicos e neurolingüísticos fundamentais para os que vão atuar com crianças com necessidades educacionais especiais. Reforça-se, ainda, essa necessidade de compreender, realmente, o aspecto pluridisciplinar da dislexia, posto que muitas vezes, é imperiosa a interlocução com outros profissionais que cuidam das crianças, como neuropediatras, pediatras, psicólogos escolares e os próprios pais das crianças.
Na maioria dos casos de dislexia, disgrafia e disortografia, a abordagem mais eficaz no atendimento aos educandos é apsicopedagógica (ou psicolingüística, para os lingüistas clínicos)em que o profissional que irá lidar com as dificuldades das criançasaplicará à sua prática educacional aportes teórico-práticos dapsicopedagogia clínica ou institucional aliados à pedagogia e àpsicologia cognitiva e à psicologia da educação. São os psicolingüistas que se voltam para a explicação da dislexia e suas dificuldades correlatas (disgrafia, dislexias). Hipóteses como déficits de memória e do princípio alfabético (fonológico) são apontados, pelos psicolingüistas, como as principais causas da dislexia.
O terceiro passo para os que querem entender mais sobre dislexia é dar especial atenção à avaliação das dificuldades lectoescritoras. Aavaliação deve ser trabalhada como ato ou processo de coletar dados afim de se melhor entender os pontos fortes e fracos do aprendizado daleitura, escrita e ortografia dos disléxicos, disgráficos e disortográficos. Enfim, atenção dos psicopedagogos deve dirigir-se à avaliação das dificuldades em aquisição da linguagem escrita.Nesse sentido, um caminho seguro para a avaliação da dislexia,disgrafia e disortografia é pela via do reconhecimento da palavra. Oreconhecimento da palavra começa pela identificação visual dapalavra escrita. Depois do reconhecimento da palavra escrita, deve serfeita avaliação da compreensão leitora, especialmente no tocante àinferência textual, de modo que levando a efeito tais procedimentos,ficarão mais explícitas as duas etapas fundamentais da leitura e desuas dificuldades: decodificação e compreensão leitoras.
O quarto e último passo para o desenvolvimento de estratégias deintervenção nos educandos com necessidades educacionais especiais em leitura, disgrafia e disortografia é o de observar qual dos módulos(perceptivo, léxico etc.) está apresentando déficit no processamentoda informação durante a leitura. Portanto, é entendermos como océrebro dos disléxicos funciona durante o ato leitor. Neste quartopasso, é imprescindível um recorte das dificuldades leitoras. Adislexia não é uma dificuldade generalizada de leitura, ou seja, nãoenvolve todos os módulos do processo leitor.
Descoberto o módulo que traz carência leitora, através de testessimples como ditado de palavras familiares e não-familiares, leituraem voz alta, questões sobre compreensão literal ou inferênciatextual, será mais fácil para os psicopedagogos, por exemplo, atuarpara compensar ou sanar, definitivamente, as dificuldades leitoras queenvolvem, por exemplo, aspectos fonológicos da decodificação leitorae da codificação escritora: o princípio alfabético da língua materna, isto é, a correspondência letra-fonema ou a correspondência fonema-letra.
Se o que está afetado refere-se ao campo da compreensão, ospsicopedagogos poderão propor atividades com conhecimentos prévios para explorar a memória de longo prazo dos disléxicos que se baseia no conhecimento da língua, do assunto e do mundo (cosmovisão). Quando estamos diante de crianças disléxicas com as dificuldades relacionadas com a compreensão estamos, decerto, diante de casos de leitores com hiperlexia, parafasia, paralexia ou, se estão, também, superpostas dificuldades em escrita, ao certo, estaremos diante de escritores também hiperlexia, parafasia, paragrafia, termos clínicos, mas uma vez explicados, iluminarão os psicopedagogos que atuam com disléxicos e disgráficos. A paralexia é dificuldade de leitura provocada pela troca de sílabas ou palavras que passam a formar combinações sem sentido. A parafasia é distúrbio da linguagem que se caracteriza pela substituição de certas palavras por outras ou por vocábulos inexistentes na língua. A ciência e a terminologia, realmente,apontam, mais, claramente, as raízes dos problemas ou dificuldades naleitura, escrita e ortografia.
1. ALLIEND, G. Felipe, CONDEMARÍN, Mabel. Leitura: teoria, avaliaçãoe desenvolvimento. Tradução de José Cláudio de Almeida Abreu. PortoAlegre: Artes Médicas, 1987.2. COLOMER, Teresa, CAMPS, Anna. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.3. CONDEMARÍN, Mabel e MEDINA, Alejandra. A avaliação autêntica: um meio para melhorar as competências em linguagem e comunicação. Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre? Artmed, 20054. CONDEMARÍN, Mabel, BLOMQUIST, Marlys. Dislexia: manual de leitura corretiva. Tradução de Ana Maria Netto Machado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.5. GARCIA, Jesus Nicacio. Manual de dificuldades de aprendizagem:linguagem, leitura, escrita e matemática. Tradução de JussaraHaubert Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.6. HOUT, Anne Van; ESTIENNE, Françoise. Dislexias: descrição,avaliação, explicação, tratamento. Tradução de Cláudia Schilling. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2001.7. JAMET, Eric. Leitura e aproveitamento escolar. Tradução de MariaStela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 2000.8. LECOURS, André Roch, PARENTE, Maria Alice de Mattos Pimenta.Dislexia: implicações do sistema de escrita do português.

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